Parte da minha rotina consiste em deslocar-me de transporte público...autocarro. Mas hoje tive uma bela surpresa nessa minha viagem rotineira, de regresso a casa: hoje a paragem foi temperada com um pouco mais de pimenta, hoje foi pintada com cores mais berrantes, com cores mais quentes, com cores mais envolventes... Isto porque um ser deslizou até à paragem onde eu me inquietava pelo desejo de chegar a casa!
Assim que ela chegou áquele sítio, os meus olhos congelaram-se logo nela...deslumbrados pelo cabelo curto e sensual, de um fogo doce, aveludado, e intenso, qual vinho perfeito,
Eu, por muito discreto que sou e sempre fui, não conseguia manter um nível de discrição minimamente aceitável! Olhava, não me importando com nada nem ninguém, só com ela... Nem fazia caso a quem me dirigia a palavra, não por desprezar tal pessoa, mas apenas porque naquele momento eu não estava presente...pelo menos não o meu eu consciente, apenas lá estava a carcaça... A alma rodopiava em torno dela, deleitando-se com o seu perfume de jasmim, com os seus olhos penetrantes, com as suas curvas deliciosas, inclusivé com a sua marca eterna no corpo...tratava-se de uma lua...talvez para representar o mistério que a envolve, o mistério sensual no qual ela está embebida!
E, para piorar este meu estado romanesco, o veículo que ela escolheu como sendo aquele a qual lhe iria competir a honra de a levar até ao seu destino....esse tinha de ser logo aquele no qual eu pretendia entrar... Ainda hesitei...a parte de mim que ainda segurava a réstia de pudor e vergonha hesitou...mas todo eu (ou a maioria) já me tinha rendido às perdições daquele rosto intrigante.
Entrei, e aconcheguei-me a um poste, no meio de um sufoco de pessoas, acanhadas no autocarro. Durante uma boa parte da viagem eu não a via...
Pensava já eu que não se tinha tratado senão de uma alucinação, provocada pelo sol, quando as pessoas aclaram o autocarro e eu a vejo: sentada no fundo, nos últimos bancos, sozinha...
Não tive coragem suficiente para a abordar...
E para agravar tudo, a paragem em que ela sai, equivaleu à minha...e durante um bocado andámos separados apenas por um ou dois metros...eu sem nunca ganhar coragem para dizer "Olá" e ela, sempre mantendo o andar de deusa, nunca me presenteando com um olhar sobre o seu ombro...